White angel

Esboçava em linhas coerentes um traço côncavo entre o riso e a dor. Apalpava a colcha macia de cetim marfim, enquanto os olhos emaranhados de um certo liquido invisível e irremediável se dilaceravam entre as cortinas de seus volumosos cílios. A postura de seu corpo magro era visivelmente plena diante de sua escrita flamejante. Gotas de silêncio arqueavam seus pequenos ombros. Enquanto as letras se constituíam simetricamente na perfeita caligrafia.
Um pote de mel decorava a escrivaninha. Eis que muitas vezes adocicava as palavras amargas lançadas ao vento por suas mãos de gelo. Lápis, papel, borracha e alguns efeitos que a memória já não escondia. Um amontoado de idéias lapidavam a exaustão de suas mãos e delas brotavam um brilho próprio descrito em dezenas de romances espalhados por sua mente.
E assim ela erguia as finas sobrancelhas procurando algum defeito embutido nas pequenas melancolias de amores e desamores por ali arruinados. E desfazia o contorno de suas perfeições através de desordens amorosas que já não existiam em tuas mãos. Criava amores de papelão despidos por almas de papel. Contornava a ideologia lançada com seus próprios punhos e tinha certeza que delas restariam algum vestígio de si própria. Mas sua alma não estava ali. Desfechos de outros corpos eram descritos por aquelas mãos de menina doída. Que esmaga por dentro angústias que se desprendem através do cansaço de seus anseios tolos, escondidos na pele alva, quase transparente. E naqueles olhos que torturavam o brilho do céu, existiam a inquietude discreta de alguém que procura a lucidez. Junto aos escritos deixados na beirada da cama, havia vodka, que às vezes bebericava à luz da lua, enquanto se vestia de anjo e bordava versos pregados no travesseiro.